Jangada podre e outros fósseis da navegação

“Neste livro há vozes atonais de mordaças. Não as ouvimos, não há credo nas entrelinhas. Do mesmo modo e também, não há fatos ou faróis.A luz é recurso secundário para sua leitura e serve somente ao nosso desaparecimento, pois somos solicitos às constâncias de um ser-na-sombriedade do mundo.
Sagramos o ilegível(…)”

Nesta passagem da seção 222, Inauto “o Breve”, respira sua condição estrita da solidão da letra, a junta que acolhe seu poder de clausura. E ainda sobre isso, ele nos conta:

“(…) a longevidade do silêncio que nos situamos, até então, se instaura na cova de nossos olhos perdidos no tempo. Aquilo que nos faltou, ou, quem sabe, sobrou da historiografia psíquica do temor.”

Inauto é dos célebres Invisíveis que assinaram os primeiros manuscritos produzidos por alguns médiuns escreventes analfabetos de nosso reino, durante a Era de Prata de nossa civilização, essa que desde 1970 se encontra perdida nos “aparelhos de só sobrar informação” (destes que, com o dedo indicador, ficamos, obssessivamente a fazer carinho sobre suas pequenas telas de cristal liquidificado. Por vezes, estes funcionam pra armazenar euforias).
Inauto “o Breve” nos adverte extensivamente sobre os erros cometidos pelos Visíveis do Passado:

“Éramos fortes, visíveis demais. As vezes, nos chamavam até “artistas”, “sujeitos”. Quando estávamos muito livres e educados nos elogiavam nos chamando pelos nomes que nossos parentes nos deram. Mas quando éramos só livres era só “6-&:%#*@+&!!!”. Era difícil de acreditar que existiam palavras com cheiro de pântano atropelado.”

Nosso narrador, com pesar, concluiu que ser Invisível não era uma condição de sua existência. Tudo fora manobrado, inclusive, por outros livros e suas desvirtuosas e incessantes palestrantes. E ele nos adverte uma vez mais:

“(…) não é triste aquele que confessa que não lê, se quer, uma letra-morte. Mas há de se precaver com os seus. Eles nos fazem leitores, mas depois viram nossas costas pro céu. São encurvados em corpo e em alma. Suas nucas não sabem o seus olhos não enxergam!, nem veem.”

Em realidades, Inauto geralmente se preserva de anotações e partes sublinhadas, mas adere epígrafe de verso de uma canção antiga, que hoje já nem lembramos seus ritmos:

“Acende o farol quem não navega, lamparina sem telhado é luz refinada às cegas.
Vagalume?, só sabe quem tem olho à noite; baralho de costas faz cócegas de promessas doces”.